- O céu está a chorar. – O rapaz continuou a olhar em frente e simplesmente apontou para cima. Sentado à porta da cabana.
- E a tua alma também. – Ela sentou-se ao pé dele, à espera de uma resposta.
- Não. Já não. – A chuva continuou a cair ruidosamente, provocando o isolamento de todos os poucos animais, insectos que ainda se tinham mantido por ali.
A rapariga suspirou.
- Porque é que demorou tanto tempo D.? Porque é que conseguiste afastar tudo e todos quando mais precisavas de nós? – Ele manteve o olhar firme no nada que os rodeava e encolheu os ombros. Um movimento lento, seco.
- Se começa a chover do nada, o que é que podes fazer para além de deixar que continue a chover? – O rapaz voltou a encolher os ombros e levantou-se.
Ela seguiu-o com o olhar e esperou. Esperou porque sabia que ele ia atirar-se de cabeça para a chuva, para o precipício da sua mente.
E foi o que o rapaz fez. Caminhou para a chuva e deixou a chuva apagar as memórias. Como uma picada de abelha. Como um ferrão.
- Eu gostava de ter outra oportunidade. Outra oportunidade para recomeçar. – A rapariga olhou-o sem saber o que dizer. – Sabes, outra oportunidade para correr por a chuva e ser miúdo. Tentar apanhar as gotas da chuva. Tentar apanhar tudo aquilo que estimo. – Ele olhou para trás, para Ela e sorriu tristemente.
Estranhamente, mesmo com toda a chuva, as palavras trocadas quase em silêncio podiam ser ouvidas lindamente.
- Ultimamente, parece que chove a toda a hora. Tanto fora, como cá dentro. – Ela lançou-lhe um sorriso de consolo e o rapaz tentou sorrir, o que levou apenas a uma careta. – Mas hey, do meu ponto de vista, temos que levar com a chuva se queremos o arco-íris, não é?
Ele sentou-se no chão sujo, coberto de lama e cruzou as pernas.
- Portanto, eu vou lidar com a chuva. Até não dar mais. Até ter a certeza que mais ninguém se magoa. Outra vez.
A rapariga suspirou e sentou-se nas escadas. À espera. Só há espera.