
-
Gosto do cheiro da chuva. -
Ela largou o livro que estava a ler e olhou para
ele, que estava encostado à janela, com as mãos nos bolsos e a olhar para a chuva que caía ruidosamente lá fora.
-
Chuva, D.?
-
Sim, chuva. Tipo, o cheiro da terra molhada e assim. É praticamente sempre, o cheiro da chuva. E eu gosto. - Ele suspirou e pôs a mão no vidro antes de se afastar e de se ir sentar ao pé dela.
-
Porquê? -
Ela pousou o livro e olhou para
ele fixamente.
-
Hey, não precisas de olhar tão coiso... -
Ele disse meio envergonhado e continuou quando
ela desviou um pouco o olhar -
É assim: eu gosto do Verão como qualquer adolescente normal mas, prefiro o Inverno. Gosto de usar gorros, luvas e divirto-me a ver a minha própria respiração. -
Ele sorriu. -
É giro. Além disso, quem é que não gosta de correr na chuva?
-
E que tal as pessoas que não querem ficar constipadas D.? -
Ela sorriu e perguntou-se quando é que aquele
rapaz crescia.
-
Ahh, então... -
Ele encostou-se à parede e cruzou os braços.
-
Vá, não penses tão alto que com tanto barulho nem vou conseguir pegar no livro e lê-lo. -
Ele abriu a boca para começar a falar e depois parou. -
Ias a dizer?
-
Tu és dessas? -
Ela levantou o sobrolho. -
Fazes parte do grupo das pessoas que não querem ficar constipadas? -
A rapariga piscou os olhos e encolheu os ombros. -
Vou tomar isso como um sim. -
Ele fechou os olhos e
ela pegou no livro.
-
Anda. -
O rapaz levantou-se e pegou na mão da
rapariga, que já estava confusa. O livro caiu ao chão.
-
Ir onde D.?
-
Ah, espera. -
Ele tirou a camisola e entregou-lhe, ficando de t-shirt. Não lhe respondeu. Puxou-a para a porta e disse antes -
Vá, veste a camisola. - A rapariga assim o fez e
o rapaz "arrastou-a" para a rua.
-
D., estás completamente louco! - A chuva continuava a cair ruidosamente o que fazia com que
ela precisasse de gritar.
-
Vá lá! Relaxa! -
Ele puxou-a para si e abraçou-a por trás. -
Agora cala-te, sente a chuva e o que te rodeia. Sente-me a mim... -
Ela fechou os olhos. -
Brincadeiras de crianças, memórias... o cheiro da chuva pode trazer-te tudo isso. Pensa em tudo o que se pode fazer à chuva; Pensa em tudo o que já passaste durante o Inverno - as coisas boas, as coisas más; Lembra-te de quando éramos pequenos e quando chovia tinhamos de ficar na sala de aula a fazer desenhos; Lembra-te daquele dia em que fomos ao cinema, estava a chover e quando viemos à rua, estavam dois miúdos a correr e a brincar. -
Ela sorriu e aconchegou-se a
ele.
-
Eu lembro-me de isso tudo D., mas se eu tiver medo de ficar constipada, não vou sair à rua para apanhar chuva de propósito. E então? -
Ele abraçou-a com mais força e
ela abriu os olhos.
-
Tu esqueces-te do resto. Depois de te lembrares do que eu te disse, esqueces o resto do mundo. E aí está uma boa razão por eu gostar do cheiro da chuva, vês? Lembro-me de que há momentos na minha vida em que posso esquecer o resto, posso dar atenção ao que realmente importa.
-
E o que é que importa? -
A rapariga olhou para cima e fechou os olhos.
-
De momento, importas tu. -
Ele disse meio envergonhado.
-
Então, acho que gosto disto do cheiro da chuva. -
Ela sorriu mais uma vez e
ele imitou-a.
-
Ai gostas linda? -
Ele deu-lhe um beijo na cara e largou-a para lhe dar a mão de seguida.
-
Gosto. - E
ele ficou espantado por ter sido
ela a puxá-lo para irem correr pela rua.
Para a B. que também gosta do cheiro da chuva e que aparentemente gosta destes textos.
A.M.